Primeira Onda
Como se não houvesse espaço para outro sentimento, além daquela agitação na madrugada, Anna corria na beira do mar. Ultrapassava gente de todo o jeito. Era gente pequena, estranha e gente sem dente. Pescadores. Esquivava de todas as maneiras, abaixava e pulava degraus. Raramente sorria, apesar de estar contente. Acenava para alguns conhecidos, até finalmente chegar na frente de sua primeira onda. Ainda longe, demorou a pensar no melhor pedido, aquele que começaria seu ano. Paz era clichê demais, de nada adiantaria. Poderia pedir amor, e dinheiro, mas isso também não queria. Pedir para casar era cedo de mais, para morrer já era tarde. E se pedisse para ter a oportunidade de pular a segunda onda? Teria mais tempo para pensar. E assim foi, o primeiro desejo era continuar.
Segunda Onda
Tempo já não era problema. Essa por sua vez estava longe. Podia pensar melhor no que pedir. Sentiu certo arrependimento, acabara de desperdiçar uma grande oportunidade. "E se no final, essa primeira onda faça falta?" - pensou consigo. Era melhor decidir-se rápido. Felicidade fora a primeira sugestão que surgiu em sua cabeça. Era isso que pediria. Finalmente pulou a onda, com um pedido mais concreto. "Quero ser feliz, não importa o que precise para que isso aconteça" - sussurrou.
Terceira Onda
Sentiu seus pés encontrarem a areia molhada. Afundou um pouco. Sentiu também seu rosto suar, apesar do frio que estava naquela noite. Já era 00:05. "Cinco minutos de um novo ano" - foi tudo o que conseguiu pensar. Este seria o terceiro desejo. Viver um pouco mais, para que ano que vem, pudesse novamente pular as sete ondas. Por mais tola e sem sentido que a crença parecesse. Sequer estava de branco, mas fez questão de comer as romãs.
Quarta Onda
Ela sorriu ao ver um garoto de cabelos cacheados beijar outra menina. Sorriu por lembrar do amor que havia deixado para trás, quando subira naquele ônibus. As borboletas no estômago eram passageiras. A maresia tocava de leve sua face. "Quero estar ao seu lado, poder dizer que o amo" - recitou aos prantos. Lembrou do seus olhos amendoados, e da sua pele repleta de marcas faceiras. Sentia sua falta, isso não podia negar. Talvez fosse tarde demais, era disso que tinha mais medo.
Quinta Onda
Já era tarde, ao seu redor, os casais iam se separando. Era surreal, estava sozinha, parada aos pés do mar. Sorria e cantava sem motivo. Não sabia ao certo o que desejar, muito do que imaginava era em vão. Era dinheiro que precisava, para pagar todas as suas preces. Podia pedir um pouco de fé, porquê essa estava em falta. Mas a fé logo se foi, lembrou da igrejinha que nunca frequentava. Se queria fé, precisava de dinheiro para sustentá-la. "Um bocado de dinheiro no bolso, é luxúria, mas necessito" - completou.
Sexta Onda
Os pensamentos absurdos iam se tornando mais frequentes. Quando raramente surgiam, as pernas bambeavam. Apoiava-se no chão, na areia macia logo atrás. Demorava para estar completamente recuperada. Faltavam só duas ondas, tinha que pensar bem no que pedir. "Mais dinheiro seria bom" - ao longe pensou. Ainda havia tempo de desistir. Não conseguia compreender o porquê de pular aquelas marolinhas. Era apenas mais uma crença sem sentido, acreditava que o destino era ela quem construía, então para que acreditar nesses desejos? Desistir poderia ser uma boa solução. Levantou-se suave, as pessoas ao seu redor se abraçavam. As luzes dos carros deixavam a mesma atordoada. Fazia parte da comemoração. Os fogos ainda estouravam no céu avermelhado. "Tom exato" - descrevia assim.As ondas tocavam delicadamente seus pés, era o momento. Não haveria outro tão correto quando este. "Oh meu Deus, ou seja lá quem atende todas essas preces, desisto de cada uma das que fiz. Pode se preocupar com as outras que foram feitas, as minhas já não tem importância" - finalizou, com lágrimas caindo, transformando-se em mar.
Sétima Onda
"Feliz ano velho. Adeus ano novo" - parodiou. Desabou.
KOLENCZUK, Tatiana; "(re)Começar" - in Descarrilhar
