
Logo que acordava, Anna já havia criado uma rotina. Corria do quarto para a cozinha, enchia um copo de água; corria da cozinha para o quarto, e do quarto para sala, onde finalmente se acomodava as almofadas de couro branco. O telefone ao seu lado estava a sua espera. Demoravam alguns minutos, até que ela resolvesse escutar as mensagens do dia. Tudo parecia igual. Eram duas mensagens. Em uma, Lucas falava sobre a saudade que sentia, aquela que o amargurava cada vez mais: - Como posso amar alguém a esse ponto? Alguém que sequer imagino como seja? - esta era a pergunta que o mesmo sempre fazia. Por mais clichê que parecesse, ela sentia o mesmo.
Quando a mensagem terminava, ficava sorrindo abobada do outro lado da linha. Mesmo sabendo que ele não escutaria sua reação, parecia estar obrigada a rir e se divertir com tudo aquilo. Entre suspiros de tantas emoções, apertava finalmente o botão da nova mensagem. Apreensiva, grudava o telefone perto de seu coração - era o som do piano que ecoava. A mesma sonata, de todas as manhãs. Aquilo a alegrava profundamente, por mais tolo que parecesse. Sentia-se melhor, como se algo em si tivesse se renovado depois daquela melodia. As batidas aos poucos iam adquirindo o mesmo ritmo.
Depois de tanto tempo escutando aquelas mensagens de um amor fantasioso, Anna se perguntava o que aconteceria no dia em que os mesmos se encontrassem. Já faziam três exatos meses que ele fazia parte de sua rotina, mesmo assim, sequer sabia como era sua feição. O riso, conhecia bem. Somente este.
Certa manhã a caixa de mensagem estava com algo a mais, era uma revelação que não esperava. Se esperava, era apenas nos mais secretos sonhos. Diziam todos os dias que se amavam, porém, ela não sabia se podia acreditar, se ele a amava da mesma maneira. "Você tem três mensagens novas" - achou estranho. Apertou o botão outra vez, quem sabe, era erro do aparelho. A mensagem continuou a mesma. E assim foi, pelas outras quinze vezes que a repetiu. A primeira eram as perguntas. A segunda era a música, que só o coração podia escutar. A terceira, ela não sabia... Durante os primeiros segundos, apenas escutava a respiração ofegante do outro lado - Quero que me encontre, amanhã às 6:00 horas. Faça isso por mim, é a última coisa que te pe. - a última palavra nem fora completada, mesmo assim, a mensagem fazia todo o sentido. Ficara paralisada por alguns segundos, apenas olhando para a janela, queria encontrá-lo o quanto antes. Olhava para o relógio inúmeras vezes, os ponteiros demoravam a mudar. "E se esse fosse o fim de nossa história?" pensava consigo; a realidade não poderia começar assim.
Ela tentou viver, continuar o dia da maneira mais natural possível, por mais difícil que isto pudesse ser. Cabisbaixa, guardava para si todos os mais sórdidos pensamentos. As pessoas perguntavam o que tinha, tentava desviar destes assuntos. As amigas perguntavam quando o encontraria, não queria contar a verdade, talvez se arrependesse no fim de toda essa jornada. Os garotos continuavam me achando uma tola. "Tão bonita, e fica sofrendo pelos cantos" eles costumavam finalizar. Apenas sorria como sinal de agradecimento. Um dia sem risos seria um dia perdido, isso não podia negar.
A noite demorou a chegar, cada hora que passava, soava como um alívio. Logo que o cuco soou as vinte horas, decidiu que já era hora de sonhar com o encontro. Correu da sala para cama, e lá se aconchegou. Deitou e adormeceu, pensando nos bons momentos que chegavam. Sem perceber, o despertador logo tocava, tocava e tocava. Demorou minutos para então se lembrar do tamanho acontecimento. Desta vez, trocou-se rapidamente, vestiu a primeira muda de roupa que havia avistado. Correu do quarto para sala, sem sequer parar no telefone das mensagens. Tola foi ela por não ter parado. Abriu a porta com a maior cautela, para que ninguém notasse sua ausência. Se depois perguntassem, ia apenas dizer que havia ido passear antes de ir para a escola, ou que havia tomado café com as amigas. Alguma desculpa ela inventaria.
Sentou-se no banco da praça próxima de sua casa, era lá que se encontrariam. Todos os outros bancos estavam repletos de desconhecidos, alguns de muita idade, outros eram mães gestantes com os filhos correndo ao redor, mas nenhuma das personalidades ali se parecia com o garoto de seus sonhos. O pianista de seu coração.
Havia desistido de olhar as horas no celular, desde que o mesmo alegava ser 8:00 horas. Por mais ingênua que parecesse, pretendia continuar sentada até que o seu amor aparecesse. "E se não o reconhecer" ela pensava sem parar. Os bancos iam se esvaziando, as pessoas iam mudando. Idosos davam espaço para outros idosos. Crianças davam espaço para casais de adolescentes apaixonados, Anna apenas queria ser como todos os outros.
Quando a noite começava a chegar, os bancos se esvaziaram por completo. Na sua frente, estava um garoto, que nunca imaginava ter visto. Estava sentado em uma cadeira de rodas, mas sua beleza era tamanha, que o acessório de metal parecia inexistente. Levantou-se e foi em sua direção.
- Perdoe-me, mas a praça está para fechar, quer ajuda para chegar em casa? - ela perguntou, com um sorriso na fronte.
- Agora já é tarde! Não preciso mais de você. Demorou para notar minha presença. Entre tantos sonhos, tornou-se cega para a realidade - o garoto virou o rosto, tentando se locomover entre as pedras no chão. Enquanto ele partia, Anna apenas olhava atordoada. Talvez fosse verdade. Estava cega por um ideal que jamais existira. Não havia se apaixonado pela sua imagem, e sim pelo que ele era. Esta era a razão de estar ali. Ela o amava.
Tentou fugir dos maiores receios, estava decepcionada e sequer sabia o porquê. "Qual era o problema? A cadeira de rodas, não parecia ser a resposta mais correta" finalizavam seus pensamentos.
Quando chegou em casa, viu a mensagem na secretária eletrônica. Só então se arrependeu. Aconchegou-se de uma nova maneira, com os joelhos próximos a cabeça, como se temesse algo muito grande. Havia apenas uma mensagem, uma última recordação. Não era música, não eram palavras, era apenas sua respiração, provando que ainda estava vivo, e que sua vida girava em torno dela. Sem perceber, sentiu suas pernas fraquejarem e os joelhos encontrarem o assoalho frio da cozinha; e pela primeira vez, chorou.
KOLENCZUK, Tatiana; "O Pianista" - in Descarrilhar.