É manhã de sábado. Abro as cortinas e entre a neblina da matina, vejo uma garotinha de saia rodada, sentada nas escadas de sua casa. Em baixo de seus braços uma caixinha vermelha reluz, juntamente com o brilho do seu olhar ao fitar cada singelo detalhe. Ela sorri, vira a caixa e analisa cada face, vértice por vértice, termina de observar, ameaçar abrir e sorri outra vez, fechando a tampa. Era estranho, por mais que observasse cuidadosamente cada ato seu, tinha certeza que estava vendo uma situação de perda de lucidez. Senão fosse isto, algo errado tinha naquela garota. Seus cabelos começaram a brincar com o vento que soprava suave, eram como fios dourados soltos pelo céu. Uma pausa para um grande suspiro, e então levantava sua cabeça para admirar as nuvens. Por um momento, achei que a caixinha não tivesse mais importância. "Chocolates, rosas secas, fitas de cabelo, fotografias, cartas anônimas, discos de vinil, ingressos de museus e teatros, poesias e músicas desconhecidas". Tentei criar mil possibilidades para compreender. Em sessenta anos que havia vivido, nunca havia encontrado algo semelhante. Era uma cena que levaria comigo até os fins dos tempo, sem dúvida. Sabia que se não chegasse a uma conclusão, rapidamente enlouqueceria. Levei minhas mãos até o topo de minha cabeça, afagando de leve meus últimos fios de cabelos brancos, como se isto estimulasse os pensamentos, apenas uma velha mania que conservava. Demorei minutos para notar que ela não estava mais sentada, agora dançava nas pontas dos pés, feito bailarina de caixinha. Caixinha - Bailarina - Passado! Esta era eu, uma velha memória, de um sonho que havia esquecido tempos atrás. Havia deixado para trás, o que ansiava mais, a vontade de dançar em palcos do mundo todo. Por um momento, senti a brisa da juventude tocar minha face outra vez, lembrei então da ostoporose que me afligia. Eram meros detalhes, se comparados com a vontade forte que batia em meu coração. Ao meu redor, o ar foi se expirando, fazia tempos que não tinha tanta dificuldade de respirar. Apertei o botão de emergência do quarto, logo escutei os tacos na porta. A imagem branca apareceu como em todas as outras vezes, era a enfermeira que cuidava de mim toda tarde.
- Realize meu desejo, deixe-me dançar para você - falei com certa fraqueza, sentindo as pernas bambearem, como imãs até o chão.
Rebolei, cai e levantei. Cai outra vez, e tudo parecia fazer sentido. Esta seria minha última dança, Rose seria a última a me ver neste estado. Fechei os olhos e abri os braços, beijei o assoalho, e ali descansei. Na maior e mais pura paz.
- Realize meu desejo, deixe-me dançar para você - falei com certa fraqueza, sentindo as pernas bambearem, como imãs até o chão.
Rebolei, cai e levantei. Cai outra vez, e tudo parecia fazer sentido. Esta seria minha última dança, Rose seria a última a me ver neste estado. Fechei os olhos e abri os braços, beijei o assoalho, e ali descansei. Na maior e mais pura paz.