Éramos três. Dois amores e um indivíduo qualquer. Rimos o dia todo. Seguimos carros e buzinamos gritos hilariantes. Efeito do álcool que corria em nós. Não era álcool qualquer. Era do bom. Do melhor.Já passava das onze. Tudo estava escuro. E a chuva caía sobre nossos ombros. Gélida, levava consigo a nossa maturidade. Acredito que era obra do destino estarmos naquela situação. Passamos para buscar dinheiro. Procuramos algum lugar aberto que nos rendesse novas desventuras. Roubar não era suficiente.Caminhamos. Andamos todas as esquinas do bairro nobre. Passamos em frente de sua casa mais de quinze vezes. Ele perguntava minha idade. E eu mentia. Dizia que tinha dezesseis. Mas não passava dos treze. Todos diziam que treze era a idade perfeita para a perdição. Eu acreditava. Continuava seguindo caminhos opostos daqueles que eram comuns. Queria me divertir. Ao menos um pouco.Estava agarrada nos braços finos de um garoto. Qual sequer lembro o nome. Depois de tanto tempo de angústia. Tornei a esquecê-lo e apagá-lo de meus devaneios. Ele era alto suficiente para me erguer a lua. Alto o bastante para me fazer cair mais forte. Segurava sua jaqueta. Apertava com medo de que este fosse o fim. Era uma rua longa. Até então vazia e silenciosa. Poucos carros cruzavam tal. Ele me convidou para ser sua companhia. Pedi para que meu melhor amigo me deixasse ir. Este por sua vez, retrucou. Era perigoso demais. Deveria ter escutado enquanto ainda havia tempo de mudar o rumo. Sem dar ouvidos a razão, fui levantada até seus ombros. Agora éramos dois. A razão e a adrenalina que corria solta em nós. A rua chamava nossos nomes. Corremos juntos por toda aquele trajeto. Em questão de segundos, senti meu corpo ser jogado para o alto. Alto e longe. Pensei que fosse apenas efeito de algum alucinógeno. Então lembrei que nunca havia consumido um. Esta não passava da verdade. Senti tudo ao meu redor girar e passar rápido. Poucos instantes já me encontrava no chão. Senti sua mão passar sobre meu rosto. Senti dor. Senti o gosto amargo da realidade. Do sangue que escorria sobre mim. [...]
KOLENCZUK, Tatiana; "O Espelho" - in Descarrilhar.